22 novembro 2010

"UMA TRAGÉDIA PORTUGUESA": O NOVO LIVRO DE NOGUEIRA LEITE

(excertos)

P: Mas o que é que acha que aconteceu de facto?
ANL: Não lhe sei explicar. Uma das razões por que não sei é porque eu e outras pessoas temos pedido esclarecimentos e ainda não estamos devidamente esclarecidos sobre o que se passou de facto. Eu sei que pelo menos o ministro das Finanças tem a noção exacta do que é uma perda de face, quer perante os credores, quer perante a União Europeia e ainda não tenho explicação sobre o que será a causa última de alguém se colocar, também pessoalmente, numa posição tão fragilizada perante terceiros.

P: Também por ter sido revisto o défice em alta em 2009?
ANL: Numa dimensão e numa rapidez também pouco usuais. Nós estávamos habituados a derrapagens muito significativas em valor absoluto, mas em valor relativo muito diferentes destas a que temos assistido. Esta capacidade de gerar quase três mil milhões de derrapagem em quatro meses é absolutamente inédita. Quando ainda por cima não se consegue perceber uma explicação razoável para que isso tenha acontecido... A não ser que as pessoas tenham deixado de cumprir as suas funções com o mínimo de eficácia. O problema económico da economia portuguesa continua a ser o endividamento externo, o crucial e mais difícil do ponto de vista conceptual, mas acelerou-se muito. O descontrolo orçamental tornou mais premente um problema que, sendo difícil, eu considerava de segundo nível do ponto de vista das prioridades.

P: Temos um grave problema ao nível do endividamento externo. Acha que as pessoas ainda não se aperceberam verdadeiramente da sua dimensão?
ANL: Acho que continuam a não se aperceber. As pessoas percebem que há um problema com as finanças públicas, mas continuam a não perceber que há um problema de financiamento da economia. Até porque os empresários, pequenos, médios ou grandes, já se aperceberam disso, porque há de facto uma grande secura de liquidez no mercado, mas as famílias portuguesas, que também estão endividadíssimas em relação ao seu rendimento disponível, não têm noção de quanto é toda esta dívida hipotecária monumental, que a economia portuguesa apresenta neste momento, sem boom imobiliário, dum país que se transformou num país de proprietários... As pessoas não percebem a dimensão da pressão que isso põe sobre o financiamento global da economia, que é muito significativa. As famílias têm um endividamento que é praticamente metade do PIB e, por outro lado, as pessoas também não se aperceberam do impacto que vão ter as medidas ao nível financeiro do Estado. Ou seja, muitos dos que são atingidos ainda não sentiram na sua plenitude o seu impacto...

P: A vinda do FMI é inevitável?
ANL: Há duas questões que poderão suscitar uma aceleração da inevitabilidade do FMI a curto prazo. 
Primeiro, é uma exuberância excessiva dos mercados, ou, pelo menos, o convencimento por parte dos mercados que estes senhores não vão ser mesmo capazes de fazer aquilo que prometem, apesar de dizerem que querem fazer, mas não acreditam. Portanto, a falta de confiança externa. Essa é uma hipótese. E o Governo não tem ajudado nada, antes pelo contrário, tem até dado a ideia de que estão pessoas em diferentes direcções a pensar sobre o mesmo problema. 
Segundo aspecto é a própria concretização. Eles podem num primeiro momento achar que estes senhores querem fazer isto, que não tem nada a ver com o problema irlandês, é um problema de outra escala em relação ao país, mas poderão a certa altura perceber que lá estão eles novamente a não concretizar aquilo que prometeram. 
Se uma das duas acontecer, tornará inevitável. Portugal só escapa, se o Governo mostrar para a frente que é o oposto daquilo que foi até agora como governo minoritário.

* CONSELHEIRO ECONÓMICO DO PSD, professor catedrático de Economia e administrador do grupo José de Mello, Nogueira Leite lança hoje o livro "Uma Tragédia Portuguesa", em parceria com o jornalista Paulo Ferreira
  

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